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[Opinião do pai da internet no Brasil] Marco Civil da Internet completa 10 anos

Há exatos 10 anos, a então presidente Dilma Rousseff aproveitou um encontro global realizado no Brasil para rediscutir a governança da internet, na esteira das denúncias de espionagem indiscriminada pelos Estados Unidos, para sancionar o Marco Civil da Internet. A Lei 12.965/14 vinha sendo discutida desde 2009, na maior construção de uma proposta legal a partir do debate público que o país já viu.

Foram quase três anos para que o projeto virasse Lei, desde que o governo federal encaminhou uma proposta construída a partir de consulta pública organizada pelo Ministério da Justiça. E os temas que mais provocaram resistências na época são exatamente os alvos de hoje, quando os provedores de infraestrutura continuam reclamando da neutralidade de rede e parlamentares e juízes discutem de quem é a responsabilidade por conteúdos online.

Para o pai da internet no Brasil, diretor presidente do NIC.br e membro por notório saber do Comitê Gestor da Internet, Demi Getschko, o adversários do Marco Civil resvalam em confusões semânticas. E a principal delas é confundir a internet, sendo ela o conjunto de protocolos técnicos que viabilizam a comunicação entre redes, com serviços e aplicações que rodam sobre essa rede.

“O Marco Civil é filho do Decálogo do Comitê Gestor da Internet. E se olharmos para esse pai da história, o Decálogo, acho que continua válido em todos os seus itens, porque ele é algo principiológico, é algo de conceitos”, afirma o primeiro responsável por uma conexão internet no Brasil, em 1991.

Dois pontos do Decálogo ganharam destaque no Marco Civil: a neutralidade e a inimputabilidade da rede. E como alerta Demi Getschko, os problemas se dão quando esses itens são confundidos como neutralidade e inimputabilidade das aplicações que se valem da internet.

“Quando se fala que o intermediário de transporte e de acesso é imune, eu acredito que isso continua valendo, desde que você defina o que significa intermediário de transporte e de acesso. A coisa não mudou para, de repente, o intermediário ser culpado porque ele entregou. Ninguém culpa o carteiro se ele entrega uma carta falsa. Se você recebe um telefonema te xingando, não acha que a culpa é da telefônica”, afirma Demi nesta entrevista à Convergência Digital.

“O problema é que existem outras personagens. Na hora que você tem um algoritmo que me entrega coisas, não é mais o meu interlocutor que está me entregando coisas, mas o algoritmo. O algoritmo não é mais intermediário, ele não está imune, ele é agora o interlocutor. Portanto é preciso ler adequadamente a semântica.”

Essa mistura de conceitos alimenta duas ações que correm no Supremo Tribunal Federal para discutir o artigo 19 do Marco Civil, justamente o que trata da responsabilidade pelos conteúdos postados na rede. Daí o alerta para que essa discussão seja capaz de separar a internet das aplicações.

Já a neutralidade de rede é repetidamente apontada como barreira à “monetização” da infraestrutura por parte das empresas de telecomunicações. Hoje, como há 10 anos atrás, as operadoras reclamam que plataformas digitais ganham dinheiro explorando as redes de telecom, sem que elas tenham direito a cobrar um pedágio ou fazer acordos para o custeio da infraestrutura. A questão de fundo é a mesma, mas ganhou maior tração diante da concentração do tráfego em um punhado de provedores de aplicações.

“A internet foi feita de forma agnóstica. Os protocolos que existem, de correio eletrônico, BGP, HTTP, etc, não entram no mérito do que estão carregando, apenas carregam baseado em origem e destino. Tem que entrar o pacote em tal lugar, sem entrar no mérito se é um pacote importante ou não. Se você permitir que isso comece a ser questionado caso a caso, vai ter gente que vai privilegiar os pacotes do seu grupo, os pacotes do seu time, isso não é uma ideia que estava na origem da internet”, afirma Demi.

“Neutralidade não é o clube de vegetarianos que não permite que você coma picanha. Isso obviamente é não neutro, mas não é para ser neutro, isso é um clube específico, você vai lá porque você tem um determinado gosto. Agora, a rua que te leva até o clube de vegetarianos tem que ser neutra. Ela pode te levar até lá e você não vai entrar porque você come picanha, chegou até a porta do vegetariano e não entrou. Então, a discussão sobre neutralidade precisa ver em que contexto isso serve. Isso serve nos pacotes, na camada de protocolos da internet. Isso não serve nos aplicativos. Os aplicativos não são neutros.”

Fonte: Luís Osvaldo Grossmann – Convergência Digital