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A cara do ‘boom’ de novos negócios no Brasil

Enquanto colhe plantas que cultiva no quintal de casa para fazer os produtos de sua marca, uma empreendedora de BH parece distante da rotina de figurões engravatados. “Não é só sustento, realização pessoal, mas também uma forma de movimentar como acredito que a sociedade deveria ser”, diz. Do outro lado da cidade, um jovem olha, do alto de um prédio, o horizonte. “Vi que era uma máquina de fazer dinheiro, mas fazia dinheiro para a pessoa errada”, assegura. Aline de Santas, da marca de cosméticos orgânicos Afrôdiz, e Micha Menezes, da Agência Pinguim, especializada em lançamentos de cursos online, não estão sozinhos. Aqui, se juntam aos fundadores da Be Honest – minimercado 100% dependente da honestidade dos clientes –, Marcelo Carneiro, Vitor Casagrande e Bruno Alexandro, e à dupla do Trokaí – aplicativo de troca de roupas usadas –, Fabiano Jardim e Lucas Leandro. Embora não se conheçam, têm muito em comum: empreendimentos e trajetórias que desenham novos caminhos – pelos quais as trocas de serviços e produtos já passam e vão passar. Eles são a cara do ‘boom’ de novos negócios no Brasil.

Se nas décadas passadas grandes empresários eram a referência ao empreender, atualmente o país vive uma explosão de novos negócios comandados por pessoas que, mais do que impactar a economia a níveis local e nacional, se mostram alinhadas com tendências globais. Elas focam em inovação e estão de olho nas mudanças das relações de trabalho, cada vez mais atreladas à qualidade de vida. Só entre maio e agosto de 2021, segundo o Boletim do Mapa de Empresas do Ministério da Economia, mais de 1,4 milhão de brasileiros abriram empresas. Empreendedores do futuro e do agora que buscam, cada um a seu modo, transformar ideias e processos, democratizar conhecimentos, inovar e criar oportunidades a partir dos desafios.

O BHAZ ouviu especialistas em inovação, inteligência competitiva, estratégia e gestão – do Sebrae à UFMG, além de players do próprio mercado, e mostra quem são os profissionais que dão cara ao ‘boom’ de novos negócios no Brasil. Diversos, eles retratam um novo cenário: a máxima de que “alguns têm perfil para empreender, e outros não” caiu por terra. No dia a dia, os desafios e os riscos são inúmeros, mas eles crescem nessa jornada ao absorver e compartilhar conhecimentos.

Seja no setor de vestuário, cosméticos, alimentação ou tecnologia, esses empreendedores carregam valores e práticas que se distanciam da definição de “sucesso” mais comum. Imagine investir em uma loja 100% dependente da honestidade dos clientes, um espaço em que eles pegam os produtos e pagam por si, sem funcionários presentes fisicamente. Ou ainda, apostar no consumo consciente por meio de trocas de roupas usadas. Engana-se quem pensa que tornar os negócios mais humanos, sustentáveis e conectados também quer dizer deixá-los menos competitivos. E é assim que o ‘boom’ de novos negócios redefine a imagem dos empreendedores no Brasil.

De uma caixa de sapato e sanduíches a um negócio que já conta com 200 pontos pelo Brasil. O que era um problema para os amigos e sócios Marcelo Carneiro, Vitor Casagrande e Bruno Alexandro tornou-se uma solução que tem atraído cada vez mais interessados, a Be Honest. A empresa começou a operar em 2020, mas a ideia por trás dela surgiu ainda na escola em que os três se conheceram.

“O Marcelo começou a vender muito sanduíche, teve um sucesso grande na venda. Só que ele acabava matando muita aula para vender o sanduíche natural. E aí o que aconteceu, chegou a coordenadora e deu um puxão de orelha nele”, explica o sócio Vitor Casagrande. Marcelo tinha que continuar as vendas, mas frequentando as aulas adequadamente. “E foi aí que ele teve a ideia de pegar uma mesa no meio do pátio, colocar o sanduíche natural dele, uma caixa de sapato e uma folha escrito: ‘pegue seu sanduíche, coloque o dinheiro aqui. Confio em você'”, resume.

Depois da caixa de sapatos e os sanduíches, uma barraquinha de doces. Depois, e por que não, um minimercado na casa das pessoas? Com a ideia já definida, os amigos lançaram a primeira operação da Be Honest em Brasília e Goiânia. Funciona assim: a Be Honest disponibiliza um minimercado dentro das dependências de prédios em condomínios, o morador desce e faz a compra. Ele mesmo pega os produtos que precisa e realiza o pagamento por meio de pontos disponibilizados no local – tudo na base da honestidade e, claro, também de recursos tecnológicos.

‘Uma empresa de honestidade, não de conveniência’

“Deu super certo, as pessoas ficaram muito engajadas, principalmente pelo propósito da honestidade. As pessoas começaram de fato a usar a Be Honest nos espaços como uma ferramenta para explicar sobre os valores aos filhos. Então isso foi um dos feedbacks que a gente recebeu logo no começo e nos fez focar em ser uma empresa de honestidade e não de conveniência”, conta Marcelo.

Segundo Vitor, o modelo começou a ser replicado para empresas, coworkings, escritórios de advocacia e contabilidade. “E antes da pandemia a gente tinha cerca de cinco pontos nesse formato, comercializando doces, cafés, sempre na base da honestidade. Chegou a pandemia e todas essas empresas paralisaram a operação ou foram para o home-office. E aí que, de fato, surgiu a Be Honest, acompanhando o mesmo movimento que estava acontecendo no mercado”, explica.

Acompanhar mudanças de cenário e adaptar-se é uma das estratégias no radar de jovens empreendedores. Para Frederico Cesar Mafra Pereira, doutor em Ciência da Informação e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é preciso atitude para mudar planos quando necessário. “Nas pesquisas de perfil hoje, vemos muito isso. Pessoas com conhecimento atualizado, capacidade de planejamento, de análise, atitude para mudar, experimentar. Pode não dar certo? Sim, mas o que eu aprendi com esse erro? Tenta de novo, deu certo, gera inovação. É algo muito próximo do processo de gestão, tanto dentro da empresa quanto fora”, avalia.

“Com a pandemia, vimos que pessoas que seguiram esse processo conseguiram inovar. Tinha um comércio, foi para o online, conseguiu outros meios de se comunicar com o cliente. Os que não conseguiram fazer isso não estavam preparados, não para a pandemia, mas para a mudança”, diz o professor, especialista em gestão da informação e do conhecimento, inovação, empreendedorismo, inteligência competitiva e transformação digital.

Mas, como não existe receita para inovar, Marcelo, da Be Honest, explica que não foi fácil levar os mercados da marca para dentro dos condomínios. Foi preciso persistência e, de novo, adaptação. “Foram vários meses de planejamento, de tentar convencer o primeiro síndico a receber esse modelo de negócios, por ser um negócio inovador e ainda causar muitas dúvidas”, conta. “Depois que veio o primeiro, no mesmo dia a gente já levou um outro síndico lá para conhecer no dia da inauguração e já fechamos a segunda loja. Depois que foram 10, 15, 20 lojas o modelo já voou”, relembra. “O primeiro ponto foi o mais difícil, mas o mais importante de tudo foi que a gente não desistiu nesse primeiro momento, apesar de ter vários nãos. A gente continuou e conseguiu escalar esse negócio muito rápido depois que surgiram esses primeiros locais”, diz.

‘Tecnologia não é fim, é meio’

A atuação da Be Honest se enquadra no que diz Lyana Bittencourt, CEO do Grupo BITTENCOURT, a respeito do que considera características essenciais para a sobrevivência dos negócios atualmente. Segundo ela, o maior desafio é que os empreendedores aprendam a lidar com nova mentalidade, mais inovadora e tecnológica. “A ideia é que os negócios sejam ‘simples’ aos olhos dos consumidores e muito bem estruturados e com tecnologia empregada para garantir a eficiência das operações”, diz a líder do Grupo BITTENCOURT, que atua com consultoria empresarial nas áreas de Desenvolvimento e Expansão de Redes de Franquias e Negócios, Estratégia e Gestão.

“Tecnologia é essencial para o nosso negócio acontecer, já que quando falamos minimercado autônomo, temos que controlar hoje mais de 200 lojas, como está o estoque dessas 200 lojas de cada produto, como está o sistema de pagamento”, explica o empreendedor Vitor. “Hoje, toda a nossa compra e toda a nossa venda é feita ou via aplicativo, ou via um sistema na máquina, ou via um sistema na máquina TPOS. Sem dúvidas, sem tecnologia a gente não conseguiria escalar esse negócio. Hoje temos operações muito pulverizadas, são várias lojas em estados diferentes e a tecnologia nos permitiu isso”, define.

Já Fernando Santos, presidente Assespro-MG (Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação), ressalta a importância da tecnologia nas mais diversas empresas, o que também vale para o setor de comércio e serviços. “Hoje eu falo que não existe ’empresa de tecnologia’, toda empresa é de tecnologia, já que a tecnologia não é fim, é meio. Toda empresa indiretamente precisa de uma base tecnológica para estar competitiva no mercado”, pondera.

E quem busca aprender os caminhos da inovação continua saindo na frente. Metade dos empreendedores brasileiros, grupo que só cresce nos últimos anos, têm alguma formação em administração de empresas, economia, contábeis e/ou computação. Engenharia, física e química são outras das formações mais presentes entre os líderes de negócios, segundo o Mapa de Negócio de Impacto Socioambiental 2021, idealizado pelo centro de pesquisas e tendências Pipe.Labo.

Eles transformam

É também na tecnologia, aliada à sustentabilidade, que uma dupla de Belo Horizonte se apoia para tocar o Trokaí, aplicativo em que pessoas desconhecidas podem cadastrar e trocar, umas com as outras, roupas que não usam mais. Já são mais de 15 mil downloads desde o lançamento, em 2020, e mais de 10 mil peças cadastradas. Antes de chegar ao formato mais atual da plataforma, no entanto, Fabiano Jardim e Lucas Leandro precisaram adaptar o conceito, assim como pivotar suas próprias carreiras – um é engenheiro elétrico, e o outro estuda sistemas de informação na UFMG. Este é apenas o começo, já que também pretendem transformar as relações de consumo no setor de vestuário.

“Nosso objetivo era pensar numa ideia com impacto social positivo, de contribuição para a sociedade, dentro do aspecto sustentável, consciente, e a criação do Trokaí teve essa base. A troca é extremamente sustentável porque você vai reutilizar o objeto”, conta Fabiano. Além disso, durante as pesquisas, os sócios encontraram poucos tipos de negócio baseados na troca. “Não percebemos muita coisa no mercado que possui esse viés. Existem muitos negócios de venda e aluguel, o que não acontece muito com a troca em si”, ressalta o engenheiro.

“O mercado da moda tem um impacto muito pesado no meio ambiente, além de problemas relacionados à mão de obra em trabalhos análogos à escravidão. Há uma grande quantidade de roupas que ficam paradas no guarda-roupa. Existem coisas jogadas fora que ainda têm valor de distribuição. O mercado de 2ª mão movimenta bilhões no mundo e existem empresas desse setor crescendo no Brasil, então, vimos um potencial de mercado”, detalha Lucas.

Dados da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2020 revelam que a indústria da moda é responsável por 8% da emissão de gás carbônico na atmosfera, além de figurar como o segundo setor que mais consome água. O poliéster, um dos materiais mais utilizados na produção das peças, é responsável por 32 das 57 milhões de toneladas de carbono emitidas anualmente em todo o mundo. No Brasil, a indústria da moda gera cerca de 175 mil toneladas de resíduos por ano, segundo pesquisa da ABIT (Associação Brasileira de Indústria Têxtil).

“O nosso público é uma pessoa que quer desapegar das suas roupas e não sabe o que fazer com elas. Quem acredita numa forma de consumo mais consciente, pensando nos danos da indústria da moda e no apoio a pequenos empreendedores”, complementa Fabiano. E por falar em vestuário, o segmento foi o que mais registrou abertura de negócios em 2021, com mais de 74 mil MEIs (Microempreendedor Individual) segundo o Mapa de Empresas do Ministério da Economia. O número é 20,6% maior quando comparado aos segundo quadrimestre de 2020.

Consumidor consciente e sustentável

A motivação dos amigos ao empreender a partir da moda circular – aquela em que economia e desenvolvimento sustentável devem estar alinhados – é a mesma de mais de 50% dos empreendedores ouvidos pela pesquisa global GEM (Global Entrepreneurship Monitor), em 2019. Segundo o levantamento que mede o impacto do empreendedorismo em diversos países, o principal objetivo de metade dos líderes de negócios entrevistados era “gerar um impacto social positivo no mundo”.

Para Lyana Bittencourt, CEO do Grupo BITTENCOURT, após a chegada da pandemia de Covid-19, milhares de consumidores passaram a se atentar às práticas sustentáveis das empresas. “Hoje temos um perfil de consumidor consciente e sustentável que vai buscar aquela empresa que atenda às suas expectativas sociais e ambientais. Temos hoje também um consumidor em busca de estabilidade após um período em que tudo saiu do seu controle”, pondera.

A especialista ainda aponta que não há um modelo de negócio a ser seguido, mas que uma das tendências é de que as empresas estejam cada dia mais envolvidas com a sustentabilidade. “Algumas tendências passam pelo desenvolvimento de parcerias estratégicas com empresas, que possam oferecer negócios complementares, e que permitam a composição de uma solução completa para o consumidor, além de potencializarem o desenvolvimento de negócios que estejam mais próximos e que ofereçam experiências realmente relevantes”, diz.

“A inclusão e a diversidade devem também fazer parte da gênese das empresas, e da composição dos pilares do ESG (environmental, social and governance). Afinal, negócios comprometidos com boas práticas de gestão e governação tendem a ser mais sustentáveis e, por isso, alcançam melhores resultados”, explica.

A geração de impactos positivos também está no radar de Mônica Hauck, da Sólides, que já tem 12 anos. A empreendedora, 42, avalia que o papel de uma empresa é gerar resultado, gerar lucro e empregar cada vez mais gente. Mas, aponta que existem dois caminhos para fazer isso: tornando o entorno melhor ou pior.

“Nenhuma empresa é isolada em si mesma, a gente está inserida num ecossistema. Não é um bom negócio você não se preocupar com o que está ao seu redor. A gente faz parte de uma cadeia, tem que ter um olhar um pouco mais macro nisso. Temos metas bem ambiciosas de crescimento, mas sempre tendo essa ideia de que podemos gerar um impacto positivo no entorno também”, afirma a empreendedora.

O Sólides Transforma, por exemplo, é um programa social desenvolvido pela empresa de tecnologia em gestão de pessoas. “A gente tem esse trabalho social, mas a gente entende que isso não é um apêndice. Isso é uma extensão de quem nós somos, é uma extensão do que a gente quer enquanto identidade, enquanto impacto na sociedade”, detalha.

‘Temos que nos reinventar de alguma forma’

Fabiano avalia que a pandemia de Covid-19 impactou os planos de lançamento do aplicativo Trokaí e que tiveram que se adaptar. “O app foi inicialmente pensado na troca presencial. É possível cadastrar pontos de troca no aplicativo e ele te mostra quem está mais próximo. Acreditávamos muito nessa funcionalidade, mas a pandemia impactou demais na repercussão do aplicativo. Mas temos que nos reinventar de alguma forma, né?”, analisa. Os sócios-fundadores adicionaram, então, um recurso que poderia ser útil aos usuários do app durante a pandemia. “Logo no início, implementamos o anúncio de máscaras dentro do aplicativo. Começamos a ter usuários, as pessoas estavam baixando o app. Então, quisemos tentar ajudar de alguma forma a causa da saúde e trazer mais pessoas para o Trokaí”, lembra Lucas.

Segundo Lucas, o principal objetivo era incentivar o negócio dos pequenos empreendedores de bairros, como costureiras, que estavam produzindo máscaras. “Também queremos potencializar o acesso a brechós e bazares através da nossa plataforma. Mais uma vez, lembrando do público universitário, de classe média, que nem sempre pode comprar roupas muito caras, e prefere não pagar ou pagar muito pouco”, defende o estudante de sistemas de informação.

Carla Gobb, analista de inovação do Sebrae Minas, explica que a pandemia acelerou o processo de transformação digital nos negócios. “Já vínhamos trabalhando isso com os pequenos negócios, alguns já utilizavam algumas tecnologias mas de forma mais tímida, ou nem utilizavam todos os recursos disponíveis”. Segundo conta, com a pandemia, as empresas tiveram que recorrer ao digital por necessidade. “Várias cidades do estado ficaram com comércios fechados e o online foi a única possibilidade, não só de vender mas de continuar o contato, o relacionamento com o cliente”.

Ainda sobre a tecnologia nos empreendimentos, Carla explica que é necessário entender a demanda de cada um, para traçar estratégias personalizadas. “Hoje o Sebrae tem cursos, oficinas, consultorias, a gente adequou tudo para o formato online”, diz ela. “Os empreendedores recorrem à gente e depende muito do nível de maturidade, da necessidade deles. Tem os pequenos negócios que começaram a utilizar [a tecnologia] por causa da pandemia e já usam mais as redes sociais, e tem os que já são mais avançados, com um marketplace ou estão pensando em ter um e-commerce. Então tentamos trazer capacitação para atender vários níveis de maturidade”, conta.

Experiência do usuário

Como próximos passos, Fabiano e Lucas preparam uma atualização no Trokaí, que terá como foco a experiência do usuário – outra tendência global no empreendedorismo. Uma interface mais limpa e clara é desenvolvida e permitirá a troca de roupas também com base em combinações de peças. O processo de repaginação do app foi feito com o auxílio de uma designer UX, que visa a garantia da melhor experiência de uso, com base no layout do produto. Segundo Lucas e Fabiano, as mudanças tiveram uma recepção positiva nos testes. A integração com os Correios e um reforço na segurança das transações financeiras são outras novidades da plataforma.

“O serviço funciona no Brasil inteiro, as pessoas já estão acostumadas a lidar com os Correios. Também queremos atender a uma demanda das pessoas que querem vender pela internet, sem precisar de um encontro com o comprador. Além disso, mantivemos a opção da retirada presencial, para quem quiser fugir do frete. Fica a critério do vendedor”, revela Lucas. “Pela primeira vez, iremos testar a monetização. Vamos cobrar algumas taxas nessas operações, para tentar encontrar um modelo sustentável e escalável para que o app cresça mais”, diz ele, de olho no futuro.

Apesar de não se manterem com renda direta do aplicativo, Lucas e Fabiano explicam que, com as melhorias já em desenvolvimento, o Trokaí poderá ser uma fonte de renda para o usuário final, futuramente. “Fizemos uma pesquisa no banco de dados. Vimos que o preço médio das peças é R$ 50. A pessoa está entrando ali para desapegar, é um valor mais perto do popular. Acho que pode sim ser uma renda extra para o usuário. Afinal, ao analisar as roupas cadastradas, percebemos que as pessoas que utilizam o aplicativo não são varejistas, e sim pessoas comuns, que não têm um negócio, apenas querem desapegar das roupas e ganhar um dinheiro extra”, diz Fabiano.

Para Carla Gobb, tecnologia é um meio de chegar nas pessoas. “No final das contas ainda estamos conversando com pessoas. Então precisamos capacitá-los para ter um atendimento mais humanizado nas redes sociais, assim como é feito no presencial”, defende a analista de inovação do Sebrae Minas.

Eles democratizam

Quem vê o belo-horizontino Micha Menezes em um vídeo compartilhado no Instagram – rede em que conta com mais de 290 mil seguidores -, percebe logo de cara que, além de bom comunicador, ele é também de riso fácil. Tudo está conectado. Na infância, queria ser jogador de futebol, mas prestou mais atenção e divertiu-se mais, como conta, com o lado empreendedor dos familiares paternos. “Eu fui criado pelos meus pais pra ‘poder dar certo’, ainda que tenha crescido sem muitas condições. A família da minha mãe visava 100% à estabilidade financeira, todos os parentes concursados. Já do lado do meu pai, o espírito empreendedor e protagonista sempre falou mais alto. E foi esse que sempre me divertiu mais”, diz.

Hoje, aos 29 anos, Micha tem a própria agência, a Pinguim, já faturou valores na casa dos oito dígitos e, mais do que isso, ajuda a democratizar o acesso a cursos online, treinamentos e mentorias. O objetivo? Impulsionar as carreiras e negócios de outros empreendedores. “Uma nutricionista que se via trancada no consultório, vendendo a hora que ela tinha, notou que ‘empacotar o conhecimento’ poderia levá-la a nível Brasil e mundo”, pontua ele, que é uma das referências no Brasil em anúncios online e estratégias envolvendo infoprodutos – ou seja, produtos digitais como livros, cursos e aplicativos. No caso de Micha, principalmente cursos online.

Dez anos à frente

Que a pandemia de Covid-19 estimulou os negócios online não é novidade. No entanto, Micha parece ter despontado dez anos à frente do próprio tempo: a Forrester, empresa norte-americana de pesquisa de mercado, aponta que, até 2030, todas as empresas trabalharão com algum tipo de infoproduto, do setor de softwares e tecnologia às empresas do setor alimentício, como restaurantes.

Se o cenário para os infoprodutos é favorável, Micha lembra que o mercado da educação online também indica possibilidades pra lá de positivas. Segundo ele, o setor cresceu nos primeiros seis meses da pandemia o que era esperado para os próximos três anos. Termos como “marketing digital” e “cursos online” registraram picos de buscas no Google nos primeiros três meses de 2021.

“A gente entendeu que, principalmente vindo da pandemia, o crescimento de MEIs e pequenos negócios foi muito grande. As pessoas começaram a perceber que não precisa sair de casa para abrir seu próprio negócio, para fazer venda, então muitas empresas enxergaram oportunidade nesse sentido”, explica Fernando Santos, presidente da Assespro-MG, ao falar sobre o setor de tecnologia.

Antes da pandemia, os microempreendedores já haviam conquistado o espaço no mercado. Segundo levantamento feito pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), até 2019, as micro e pequenas empresas representavam cerca de 99% do total das empresas brasileiras e foram responsáveis por 62% dos empregos e por 27% do PIB (Produto Interno Bruto). Mas foi durante a pandemia que os empreendimentos, principalmente digitais, se expandiram ainda mais. Segundo a pesquisa Panorama de Negócios Digitais Brasil,  promovida pela Spark Hero, mais da metade (54%) dos empreendedores digitais abriram seu negócio durante a pandemia no Brasil.

Já Lyana Bittencourt, consultora empresarial, diz que “aquele que está esperando a situação econômica e política se estabilizar para começar a agir deve ficar para trás”. “Já o empreendedor que está buscando novos formatos, novas fontes de receitas e parcerias para continuar crescendo tende a ser mais resiliente e ter um crescimento maior”, pondera a especialista.

No perfil do que considera a “nova cara” dos empreendedores no Brasil, Micha aponta o público entre 25 e 35 anos que, por crescer na era da tecnologia, agrega maior valor aos atributos digitais. Para ele, pessoas mais velhas devem e podem empreender, mas é necessário abandonar crenças limitantes. “Quando entrei no mercado, era difícil encontrar alguém de 18 anos considerado milionário. Hoje, tem ficado cada vez mais comum”, conta.

Cartada final 

Antes de encontrar o próprio caminho, Micha tentou abrir uma agência de publicidade com amigos, uma gráfica e até mesmo uma loja de bijuterias na internet. Quando passou a ser fotógrafo de casamentos, cargo que ocupou por três anos, “mais sobrevivia do que vivia”. “Nessa época, eu namorava minha atual esposa por seis anos e o casamento estava batendo na porta. Eu queria proporcionar condições de vida melhores, tanto para ela quanto para mim, e acabei percebendo que não dava pra sustentar uma casa daquele jeito”, avalia.

Foi somente no final da graduação em Publicidade e Propaganda, quando estagiou como social media em uma startup voltada à educação online, que Micha “abriu os olhos” para novos horizontes: desta vez, ele seria seu próprio chefe. “Como meu grande objetivo era alcançar a liberdade financeira para dar uma vida melhor pra minha esposa, fiquei nessa empresa durante dois anos e pensei: ‘tô aqui trabalhando pro meu chefe, ele está fazendo uma nota e eu sou um dos responsáveis por isso”’.

No que Micha define como sua “cartada final”, a Agência Pinguim foi criada em 2018. O jovem decidiu pagar para ver com dois amigos próximos, que também buscavam pela grande chance de suas vidas na área do marketing. Sem dinheiro na conta, os três parceiros recorreram aos cartões de crédito de suas companheiras e, ainda receosos, aguardaram pelo “ponto de virada” por mais um ano. Somente quando se estabilizaram, lucrando quinze vezes o valor do investimento inicial, deixaram a agência para escrever novos capítulos de uma história de sucesso.

“Naquela época, pouquíssimas pessoas falavam sobre anúncio online. Quando busquei informação sobre o mercado, notei que tinha mais conhecimento que muita gente. Foi aí que enxerguei uma chance de ensinar que existe uma forma muito mais lucrativa, previsível e rápida de ter resultado nas vendas online”, diz o jovem empreendedor.

“O empreendedorismo exige muito mais um conhecimento do que está acontecendo no mundo e de como isso impacta seu negócio do que simplesmente ter vontade. Vontade todo mundo tem. Se você quer ser um empreendedor, tem que ter isso, além de vontade, motivação: conhecimento, capacidade de planejar, capacidade crítica, de análise, e espírito inovador, de testar, estar atento às tendências”, pondera o professor da UFMG Frederico Cesar Mafra Pereira.

Para Mônica Hauck, se aprimorar, enquanto empreendedora, é só parte de um processo maior. “Hoje em dia, a gente tem muito conhecimento disponível. Buscar conhecimento não é mais um diferencial competitivo. Buscar o conhecimento certo, que vai fazer diferente. Isso é o fundamental, que para a gente foi muito importante nessa experiência”, detalha ao lembrar de um curso que realizou, nos Estados Unidos, ainda em 2014.

Vence quem erra mais rápido

O empreendedorismo não está livre de preconceitos. Pelo contrário, é capaz de potencializar as segregações sociais, mesmo que internamente. Sobre isso, Micha diz que em diversas ocasiões notou ser o único homem negro em eventos corporativos. “É muito comum eu chegar em uma palestra, por exemplo, e ter certeza de que vou ser o único negro ali. No começo me incomodava: como as pessoas vão me receber? Me tratam diferente por causa da minha cor?”. A persistência e o consequente sucesso foram resultado de enxergar o que faz hoje como seu propósito de vida, “o que pulsa” no coração.

Compreender que era merecedor de ocupar novos espaços – tão distintos daqueles aos quais estava acostumado desde pequeno – e conquistar tudo aquilo que sempre sonhou foi um processo lento, recheado de autoconhecimento. Micha acreditava que ser rico era sinônimo de ser mau, e que ser negro era o mesmo que existir para servir o rico. No fim das contas, a barreira interna foi desconstruída com muita terapia e vontade de avançar em seus projetos, além do entendimento de que sua vitória também é a de outras pessoas.

Um “efeito colateral” da fama no empreendedorismo que ele não esperava é, todos os dias, receber mensagens de pessoas negras dizendo que ele é um referencial para elas. Cada história de vida o impulsiona a criar um senso de luta coletiva ainda mais aguçado e, mais que isso, acreditar que é possível fazer o bem fazendo o que se ama. Hoje, Micha e sua equipe destinam 10% do faturamento à comunidade onde ele nasceu, seja por meio de cestas básicas, tratamentos médicos ou o pagamento contas de luz.

Patrão sim, influenciador de pessoas também 

Para o belo-horizontino, que busca mudar realidades com sua prestação de serviços online, existe diferença entre ser autônomo e chefe do próprio negócio. Novas responsabilidades surgem quando um empreendedor se torna “patrão” e, consequentemente, um influenciador de pessoas. E o resultado vai muito além que simplesmente delegar tarefas. “Uma coisa é quando você faz tudo sozinho, no seu horário, do seu jeito. Outra é quando você começa a construir uma equipe, as pessoas que vão trabalhar ao seu lado. É sobre abrir mão de algumas coisas pra poder entender o ponto de vista do outro”, pontua.

Três anos atrás, a Pinguim se tornou o principal negócio de Micha Menezes. Depois de vencer a ansiedade de querer conquistar o mundo de uma vez só, o empresário aprendeu a abandonar alguns processos e valorizar outros, perder dinheiro e investir em novas soluções, trabalhando sempre para corrigir pequenas falhas em prol de um objetivo maior. Segundo ele, no mercado vence quem erra mais rápido, não quem entende mais do que está fazendo.

Eles superam

Do marketing à gestão financeira, elaboração e aperfeiçoamento de produtos, plantio e colheita de matéria-prima no quintal de casa. Aline de Santas faz de um tudo na empresa de cosméticos orgânicos que comanda, em BH. “A Afrôdiz hoje emprega diretamente apenas eu, então eu faço todo o processo de produção, de elaboração, busco os cursos de aperfeiçoamento das formulações, testo, reprovo, faço a parte de divulgação, de marketing, a manutenção da página, gestão, a parte financeira, enfim, eu que faço tudo”, conta ela, que viu em uma questão hormonal a oportunidade de empreender.

A empreendedora fazia uso de medicação para a questão hormonal, mas o problema não desaparecia. A partir de então, decidiu pesquisar formas de regular seus hormônios, e descobriu que, além de uma alimentação saudável, atividade física e uma rotina de sono, o uso de determinados cosméticos também causava mais problemas. “Então optei, inicialmente, por comprar produtos naturais, mas tinha dificuldade em encontrá-los. Aí descobri algumas receitas na família, receita de vó, de algumas tias, e comecei a fazer. Fiz curso, fui elaborando, comecei a fazer tudo para mim primeiro”, lembra.

Aprendendo a empreender 

Sete anos depois desde que Aline criou o primeiro produto, hoje a Afrôdiz, aos quatro anos de existência, tem um leque de 22 itens disponíveis para a venda, entre eles argilas, máscaras faciais, emplastro de cura, 10 variedades de sabonetes – com finalidades específicas -, desodorantes, séruns faciais, óleos corporais, escalda pés e bálsamo hidratante labial. “Não é um processamento que é feito de forma industrializada, e tampouco é sintetizado em laboratório. Alguns produtos são utilizados em natura mesmo, eu utilizo algumas ervas, e uma parte dessas ervas sou eu quem cultivo também. Eu faço a desidratação delas para utilizar de forma adequada”, explica.

Depois de trabalhar muito tempo como professora, a bacharel em letras entendeu que se realizava por meio da Afrôdiz e, para se profissionalizar, precisou investir em cursos para “aprender a tocar uma empresa, já que não é fácil”, como ela mesma define. O caminho trilhado pela empreendedora é o mesmo seguido por 33% das micro ou pequenas empresas abertas durante a pandemia, segundo pesquisa realizada em 2021 pela Juno – fintech focada em soluções digitais e meios de pagamento. O mesmo levantamento aponta que outros 83% contrataram ou pretendem investir em serviços de marketing digital para veicular anúncios nas redes sociais e alavancar as vendas.

“Normalmente, o empreendedor hoje estuda o mercado dele antes de empreender. Uma característica importante do perfil hoje é a questão da aprendizagem, do conhecimento. Se estou disposto a abrir um novo negócio, vou estudar aquele mercado, conversar com os potenciais clientes, entender a concorrência, se aquilo que eu quero fazer já existe ou está muito batido… Essa ideia de ser mais estudioso, de planejar melhor, são características hoje de um bom empreendedor, seja grande ou pequeno”, explica o professor da UFMG Frederico Cesar Mafra Pereira.

Segundo o especialista, hoje em dia é possível aprender a ser empreendedor e o conhecimento desponta como uma das características mais importantes neste sentido. “E ainda temos aquelas características da vontade de arriscar, porque o empreendedor vai ter que sair do local dele. Ligamos muito o empreendedorismo hoje com inovação, planejamento, estratégia, conhecimento, coisas que antes não eram tão faladas. Quando falávamos do perfil do empreendedor antes, era muito ‘coragem’, ‘ousadia’, ‘atitude’. Continua sendo importante, mas não é mais prioridade”, pondera.

“Estou fazendo curso de Gestão para conseguir entender melhor essas questões administrativas, de contabilidade, principalmente. Ainda sou MEI, então tem uma porção de coisas que eu não tenho que dar uma devolutiva para o governo, mas ainda é uma parte complexa para mim”, diz Aline. “E existem outros desafios que estão relacionados com o fato de eu ainda ser uma microempreendedora, a gestão das coisas, a administração do tempo, eu ter que me desdobrar em dez para dar conta, tem sido bem desafiador”, explica.

Rede de apoio

Assim como a Afrôdiz sob o comando de Aline, pelo menos 14% dos empreendimentos no Brasil também são liderados por apenas uma pessoa – é o que diz o Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental, levantamento realizado em 2019 pela plataforma de pesquisas e tendências Pipe.Labo. Mas, mesmo que faça a maior parte dos processos da empresa sozinha, a belo-horizontina conta com uma rede de apoio que ajuda a potencializar o negócio. E também faz gerar renda para outros trabalhadores. “Pensar economicamente numa rede de apoio é algo que fortalece nós pequenos produtores e gera realmente uma força”, diz a empreendedora.

“Eu tenho óleo de semente de uva, óleo de pimenta rosa, não sou eu quem faço a extração desse óleo, mas eu busco, na maioria das vezes, fornecedores locais, fornecedores que tem aí a sua própria roça e fazem a extração desses produtos, são pequenos produtores, e aí é feita a prensagem a frio, que é algo que garante a qualidade desses produtos”, detalha.

“Além de ser muito gentil com nosso organismo, que também seja gentil com o meio ambiente. Eu me preocupo com as embalagens, com a formulação também, que sejam biodegradáveis. A ideia é ser generosa com a terra que é generosa com a gente.”

“Hoje, quando se pensa em empreendedorismo, se fala muito também sobre rede, conexões. Não é só pessoa – pessoa, é pessoa com empresa, empresa com pessoa”, define Frederico Cesar Mafra Pereira. “Falamos muito sobre rede, ecossistema, e no fundo o que significa: o empreendedorismo tem se mostrado muito potente quando você desenvolve um negócio dentro de uma rede, um contexto maior que você. Porque aí você pode fazer parcerias, colaborar, trocar conhecimento”, continua.

“O empreendedor, hoje, sabe que não dá conta de entender tudo que está acontecendo no mundo. Não é à toa que a startup é um modelo muito estudado, porque ela já nasce com essa mentalidade de rede. Empresas antigas pensavam muito assim: eu vou empreender, vou inovar aqui dentro, guardar o segredo. Hoje vemos isso de forma colaborativa, a economia colaborativa é um conceito global”, diz.

Aline acredita que o trabalho desenvolvido por meio da Afrôdiz gera impactos positivos para a economia, e que a proposta da marca, assim como suas práticas, também favorecem o meio ambiente. “Principalmente passando por essa ideia de uma rede de apoio que é construída entre os pequenos produtores e entre a comunidade local. Dessa forma e também com a geração de trabalho, ainda que de forma indireta hoje, eu acredito que tem uma movimentação positiva na economia”, diz.

Atualmente, ela conta com pessoas que fazem entregas via moto ou bicicleta, além de uma pessoa responsável pela identidade visual da Afrôdiz. “A ideia é fazer crescer. Hoje tem já uma demanda de auxílio na produção, na parte de marketing, financeira, e no atendimento a clientes. A Afrôdiz está na fase que começa a ampliar a equipe”, diz.

‘Escolha política e econômica’

Para Aline, determinar os processos do negócio, da escolha dos fornecedores ao que fazer para melhorar o meio ambiente, são uma escolha política e econômica. “Então não empregar o meu dinheiro, que é essa energia, produto da minha força de trabalho, para grandes indústrias que colaboram com o desequilíbrio ambiental, é uma escolha política e econômica. E pensar em pessoas que estão preocupadas com essa questão ambiental, que estão preocupadas em preservar a natureza, em retribuir, é muito importante para mim”.

A empreendedora avalia positivamente as práticas sustentáveis no desenvolvimento dos produtos da marca e destaca a redução de resíduos como um dos pontos fortes. “A ideia é que os produtos sejam “gentis com nosso organismo e gentis também com o meio ambiente”, frisa. “Os impactos passam pela redução de resíduos, então existe hoje um reaproveitamento das embalagens. O cliente que devolve a embalagem em estado conservado de uso e higienizada recebe um desconto, então eu consigo reaproveitar essas embalagens e gerar menos lixo”, continua.

Atualmente, a cosmetóloga conta que está trabalhando na montagem de um site para ampliar suas vendas, que são realizadas por meio do Instagram com um link que redireciona para o WhatsApp.  Em relação às finanças, Aline conta que, antes da pandemia, quando ainda trabalhava como professora, a Afrôdiz rendia em torno de R$ 800 a R$ 900. Com a pandemia de Covid-19, as vendas foram impulsionadas – depois, a partir de setembro de 2021, voltaram a cair.

“Em 2020, teve um aumento significativo que eu conseguia girar em torno de R$ 4000 bruto, então eu conseguia ter uma retirada de mais ou menos R$ 1600. Agora para eu conseguir atingir esse valor é rebolar muito, fazer muita divulgação, movimentação orgânica e fluida no Instagram para fazer impulsionamento”, explica. “Hoje eu acho que a inflação tem sido um grande desafio, essa variação do preço das coisas tem sido bem complexo, porque eu não posso ficar passando para o cliente o tempo todo toda a flutuação de preço que tem”, diz a empreendedora.

Segundo a pesquisa da CONAJE (Confederação Nacional de Jovens Empresários), em 2019, os empreendedores apontaram que os principais problemas para empreender no Brasil estão relacionados a carga tributária elevada (48%) e burocracia (30%). A concorrência da informalidade também prejudica muito os novos negócios (22%), bem como a legislação complexa (20%) e muitas vezes incompreensível para quem não tem conhecimento do tema. Outros pontos que aparecem na pesquisa como dificultadores são a falta de acesso ao crédito (20%), falta de um ecossistema empreendedor (17%) e logística (8%).

Mulheres no comando 

Além dos desafios relacionados ao negócio em si, Aline também se vê desafiada por ser mulher e empreendedora. Ela relata que duas situações a confrontam no dia a dia à frente da Afrôdiz. A primeira diz respeito a falsos clientes, que iniciam conversas e acabam por hipersexualizá-la. A outra está relacionada à pouca credibilidade que recebe de alguns, por aparentar ser mais jovem.

Mônica Hauck, sócia e uma das fundadoras da Sólides, pondera que existe uma enorme diversidade de empreendedores pelo país. Segundo ela, as mulheres ainda são consideradas exceção, mas esta é uma realidade que se movimenta junto das mulheres de negócios. “Quando a gente olha para as estatísticas, a gente acaba descobrindo que somos exceção. Mas sou muito otimista em relação ao que a gente tem vivido nos últimos anos. Tenho visto cada vez mais empreendedoras crescendo, melhorando, mudando seu ambiente de negócio”, avalia.

Na Sólides, desde o dia zero, com Mônica e Alessandro, marido dela, a representatividade feminina é de 50%. Para a empreendedora, nada mais natural do que essa tendência se manter, mesmo com a expansão constante da empresa. Ainda assim, a empresária não fecha os olhos para a realidade e entende que as estatísticas indicam um longo caminho até que a igualdade seja alcançada.

“Eu cresci num ambiente majoritariamente masculino, mulher empreendendo na tecnologia é a minoria da minoria. Isso me forjou de alguma forma e hoje eu tenho uma visão muito positiva, resiliente”, reforça. “Então, essa é a importância de ter líderes resilientes. Quando os líderes têm essa característica, naturalmente a empresa vai refletir isso. Eu estou muito otimista com essa geração de empreendedoras que vem por aí”, diz.

 Eles às vezes parecem invisíveis

Mesmo gerando renda, trabalho e impacto social, os empreendedores que são a cara do ‘boom’ de novos negócios no Brasil ainda podem parecer invisíveis. Do ponto de vista dos dados, ainda há poucas pesquisas que detalhem, por exemplo, o perfil racial dos empreendedores no Brasil ou quantas das empresas são, de fato, comandadas por mulheres. E a questão se estende por todos os setores.

O professor Frederico Cesar Mafra Pereira explica um dos problema relacionados à defasagem de dados no empreendedorismo. “Se eu quiser fazer um levantamento sobre empreendedorismo em Minas Gerais, de forma geral, é um tipo de pesquisa que exige tempo, é custosa, então normalmente esses dados precisam vir dessas instituições, como Sebrae, associações… E aí realmente temos um problema de atualidade de dados, não necessariamente vamos ter dados do ano passado sobre empreendedorismo”, diz.

Perfil dos empreendedores de impacto no Brasil

Para se ter uma ideia do perfil aproximado dos empreendedores de impacto no Brasil, o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV (Fundação Getúlio Vargas) realizou uma pesquisa entre setembro de 2020 e setembro de 2021 com 101 empreendedores. Segundo a FGV, o levantamento teve “olhar atento para as desigualdades territoriais”, comparando empreendedores de periferias e fora delas.

Na pesquisa, os responsáveis identificaram que 35 anos é a idade média dos empreendedores, e que os homens são minoria (43%) frente às mulheres (57%) em lideranças de negócios. Pelo menos 58% dos ouvidos se declararam brancos, enquanto 33% disseram ter graduação completa. A respeito das desigualdades territoriais, nas periferias, a porcentagem de mulheres no comando chega a 70%, contra 48% de mulheres fora de periferias. O número de negros empreendedores também cresce na comparação entre negócios na periferia e fora dela. Nas comunidades, 87,5% se declararam pretos ou pardos, enquanto apenas 8,6% se declararam de tal forma fora da periferia.

O professor Frederico ainda pontua que existem dois tipos de pesquisa na área dele relacionadas a empreendedorismo. “O que vemos mais são trabalhos mais específicos em determinados setores, ou estudos de caso em empresas. Em determinados setores, fazemos levantamentos naquele grupo, o que não representa o universo do empreendedorismo de forma geral. Isso é o que mais vemos na academia, até porque é um tipo de levantamento mais acessível”, pondera.

Já Fernando Santos, presidente da Assespro-MG (Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação), diz que um mapeamento dos empreendedores de tecnologia poderia, por exemplo, impulsionar o crescimento do setor. “Um dos pontos em que Minas ainda é falho é esse levantamento, ainda é muito superficial. Existem levantamentos que falam em 5 mil empresas de tecnologia em Minas, mas precisamos trazer números para o setor. Hoje, não tem uma curadoria boa porque os números estão dispersos, pulverizados”, explica.

Mesmo com a dificuldade de obter comprovação nos números, o que se vê na prática hoje, com dois anos e meio de Covid-19, é um padrão inegável. Quem conseguiu se reinventar ou permanecer no mercado – ou até ganhar com a pandemia – foram pessoas ou empresas que já estavam mudando seus processos e negócios independentemente da crise de saúde.

Se os relatos de boa parte dos brasileiros no que diz respeito ao trabalho durante a pandemia parecem seguir um mesmo padrão de desafios, fechamentos e desesperança, o outro lado da moeda indica uma luz. “A gente cresceu durante a pandemia aproveitando uma ‘dor’ que a própria pandemia gerou, que foi a reclusão. Nós entregamos uma ferramenta dentro da casa das pessoas, mas, mesmo após a pandemia, ainda tem vários outros mercados que estão eclodindo”, avalia Vitor, da Be Honest. O mesmo aconteceu para os fundadores do Trokaí. “Descobrimos muitas coisas sozinhos e a partir das experiências. Ainda é muito difícil, mas as coisas estão ficando mais claras. Aprendemos muita coisa, mas é duro. Essa é a jornada do empreendedor também, conseguir superar os obstáculos e seguir em frente”, pontua Fabiano Jardim.

Esse é mais um ponto em comum entre os empreendedores que optam por uma nova rota. Além de buscarem inovar, liderar e transformar o ambiente de negócios à sua volta, eles fizeram o possível para se adiantar a eventuais crises – mesmo que, até o fim de 2019, fosse difícil imaginar o que estava por vir – e usaram as movimentações necessárias para se adaptar.

Agora, com o alívio de ter sobrevivido a algumas das fases mais difíceis da história recente, eles usam a experiência adquirida para impulsionar o potencial que já existia. De posse das ferramentas adequadas para promover transformações e com a coragem para ditar os rumos do que significa fazer negócios no Brasil de 2022, sobra pouca margem para duvidar: eles triunfam.

Fonte: BHAZ – Edição: Maira Monteiro, Roberth Costa e Giovanna Fávero | Reportagem: Andreza Miranda, Beatriz Othero, Giulia Di Napoli, Guilherme Gurgel, Larissa Reis, Nicole Vasques, Sofia Leão e Vitor Fernandes | Vídeo: Amanda Dias e Isabella Guasti | Design: Mohara Villaça | Programação: Augusto Pereira e Luiz Felipe Reis